Afinal, quem arcará com a carga tributária?

Ao acompanhar as diversas audiências públicas sobre a reforma tributária, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado, percebo um padrão recorrente: inúmeros setores da economia pleiteiam alíquotas reduzidas, alegando particularidades que justificariam um tratamento diferenciado. No entanto, o que frequentemente falta nesse debate é uma visão mais sistêmica sobre o funcionamento do sistema tributário e as implicações coletivas dessas demandas setoriais.

Para avançarmos com responsabilidade, é fundamental estabelecer alguns conceitos básicos. Em primeiro lugar, a carga tributária está diretamente relacionada ao tamanho do Estado brasileiro — ou seja, ao conjunto de serviços públicos, despesas e políticas públicas — somado ao déficit que o governo precisa cobrir em determinado período. Esse déficit representa o quanto o Estado gasta além do que arrecada.

Importante destacar que a reforma tributária não tem como objetivo principal a redução da carga tributária. Isso só seria possível mediante uma diminuição efetiva do tamanho do Estado — tarefa que cabe à reforma administrativa. Essa, sim, deve enfrentar privilégios, rever estabilidades sem justificativa, instituir avaliações de desempenho e eliminar gratificações arbitrárias, entre outras medidas estruturantes.

Reduzir a carga tributária de forma isolada, por meio da reforma tributária, seria simplista e contraproducente. Isso apenas ampliaria o déficit público, agravando o problema e gerando novos custos com o aumento da dívida. O verdadeiro mérito da reforma está em outros pilares: simplificação, transparência, equidade, neutralidade, segurança jurídica e eliminação de distorções. Esses fatores reduzem o chamado “Custo Brasil” e tornam o ambiente de negócios mais competitivo.

Outro conceito essencial é que quem efetivamente paga os impostos é o consumidor, e não os setores produtivos. A tributação recai sobre o consumo, refletindo diretamente no bolso da população. Pensar que a desoneração de um item específico — como o alface, por exemplo — alivia a carga para o consumidor, sem considerar que outros produtos, como medicamentos ou roupas, serão mais onerados, é uma ilusão. O cobertor é curto: ao descobrir um lado, se cobre menos o outro.

E aqui chegamos à pergunta central: afinal, quem vai arcar com a carga tributária? Qual será o peso suportado por cada “tecido” dentro do cobertor fiscal?

Estudos do governo indicam que, sem exceções, a alíquota de referência seria de 21%. Esse percentual poderia até ser menor, caso houvesse maior eficiência na arrecadação. Essa alíquota de 21% é comparável à de países como Bélgica, Espanha e Itália — nações com Estados de tamanho semelhante ao brasileiro.

Quando um setor obtém um regime especial, como o agronegócio, serviços ou cartórios, que hoje pagam entre 3% e 15%, a pergunta inevitável é: quem paga a diferença para que o sistema se mantenha equilibrado? É razoável imaginar que um setor possa operar isoladamente, sem impactar os demais? Quando um setor conquista uma alíquota reduzida — digamos, 60% da alíquota padrão — outros setores são pressionados a compensar a diferença. O efeito colateral é a perda de competitividade dos setores mais penalizados, como a indústria de transformação, que já enfrenta competição global.

Tome-se o exemplo das concessionárias de serviços públicos: hoje pagam menos de 9% de tributos. No entanto, circulam por suas rodovias caminhões e veículos altamente tributados — com cargas que ultrapassam 45%. O que vemos é a transferência do peso tributário de um setor protegido para outro exposto à concorrência internacional. O princípio da neutralidade e da equidade tributária se desfaz.

Sempre defendi uma posição contrária a alíquotas diferenciadas, seja para educação, saúde, transporte ou agronegócio. Benefícios sociais devem ser tratados diretamente, com instrumentos como cashback, BPC, Bolsa Família ou políticas públicas bem calibradas. É mais eficaz e transparente.

De que adianta um cidadão de baixa renda pagar menos tributo sobre arroz e feijão, se os preços de produtos essenciais como calçados, roupas, panelas, bicicletas e fogões aumentarem para compensar a renúncia fiscal?

É hora de termos uma visão sistêmica. Todos os setores econômicos do país deveriam se unir em torno de um projeto de reforma que seja simples, neutro, transparente e justo. Uma única alíquota de 21% — sem privilégios ou exceções — pode ser o caminho mais racional e sustentável para o Brasil.

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